Adriano Macedo | Pescadas Expressas

sexta-feira, 29 de março de 2013

Cláudio Martins, o mago da ilustração

LITERATURA


Quando voltava da viagem com Olavo Bilac até o ano de 1901, tive a grata surpresa de encontrar, no vagão 15, o escritor e designer Cláudio Martins, o mago da ilustração. Além de agradecê-lo pelas imagens criadas para o conto Nossa Senhora das Águas, aproveitei o encontro para uma prosa sobre a criação de imagens e de livros para crianças.

Adriano Macedo: Que coincidência te ver por aqui logo após compartilhar a profecia de Olavo Bilac, que anteviu o fim da caneta de pena e do texto há mais de 100 anos. Mas o texto não foi assassinado pelos desenhistas, caricaturistas e ilustradores. Com a autoridade de quem já ilustrou mais de 1.000 capas de livros, além de escrever e ilustrar mais de 40 obras de sua autoria, como você avalia o limite entre um (o texto) e outro (a imagem)?  Em outras palavras, onde vai melhor o texto e onde entra a ilustração?

Cláudio Martins: Uau! Não havia lido nada tão profético! 1901? O computador está ai, inteiro, no texto do Olavo Bilac. Isso impressiona. Exatamente em 1900 são publicadas as primeiras fotos na imprensa. Na sequência vieram as gravuras, os recursos gráficos e a narrativa visual, que entrou pra valer. Muita gente deve ter entrado em pânico.

Hoje o Brasil é respeitadíssimo lá fora pela sua literatura infantil. Somos premiadíssimos. Agora passamos a membros de júri das premiações mais importantes do mundo. Mas não sabemos muito bem duas coisas, ler (e compreender o que lemos) e editar livros. O nosso nível de leitura é baixíssimo, nem preciso falar disso, magoa, arrebenta com meu dia.


O nível de compreensão do que é lido dá vontade de ir embora, coisa que farei depois de terminar aqui. Editar livros é estabelecer um tripé: editora, autor, ilustrador. O livro, produto industrial, precisa dos três para se manter em pé. Com frequência fazemos isso bem, é certo. Mas o ilustrador não é considerado autor de nada. Normalmente ele é acessório, auxílio, apoio para o texto. Costumam pedir um esboço inicial  para a avaliação pelo autor e pela editora.

Vou contar uma história que o escritor Sergio Fantini gosta. Lá nos primórdios ilustrei um livro onde havia uma araponga, que nada fazia além de dar uns gritos na história. Na minha inocência burra sugeri para a autora trocar por uma arara, que berra tanto quanto e é um projeto sensacional de design. O livro ficaria mais bonito, pois a tal araponga é uma galinha cinza, medíocre.

Levei muita pancada, gente. A autora disse que não permitia interferência na sua criação, na sua invenção solitária, intelectual e o escambau. Vejo muitos livros onde o texto diz que o João pegou uma bola azul e correu para o jardim e a ilustração fala exatamente a mesma coisa. Redundância chata que faz perder a vontade de ler. Quando uma editora escolhe um ilustrador figurativo, mais realista, que tem uma narrativa clara, deveria, feitas as ilustrações, pedir ao autor que mudasse seu texto aqui e ali, que o ajustasse, falasse, por exemplo, do sonho, da alegria do João, da bola, da liberdade do jardim. Porque muitas vezes a qualidade narrativa da ilustração é muito, mas muito superior ao texto. Devíamos pedir aos autores um esboço e nele, aqui e ali, meter o bedelho sugerindo circunstâncias mais interessantes que aumentassem a eficiência do produto.

Morro de pena dos autores. Escrevem, escrevem, escrevem, precisam de botar tudo lá, todos os detalhes, sem dúvida, completo, repleto, porque disseram para eles que o "texto tem que parar em pé sozinho". Esqueceram de informar que a ilustração é parceria, sociedade, vaso comunicante e narradora da história também. Atenção senhores: Livro infantil e juvenil é LIVRO, não é literatura. É projeto industrial, design, programação visual, texto, ilustração, acabamento e distribuição.

Eu já acabei com muitos textos bons. Liquidei, matei, estraguei. Mas sei também que já vendi muitos livros pelas ilustrações, autores já enfiaram muita grana no bolso com compras governamentais e alguns não me deram um telefonema, um e-mail, um rabisco, um cisco. Sou pela divisão pela metade dos direitos autorais e do valor das ilustrações entre autor e ilustrador. Já fiz isso muitas vezes.

AM: O que é uma boa ilustração para você?

CM: Uma boa ilustração é aquela que cria um tempo, um silencio, uma reflexão. Na música o silencio é tão importante quanto o som. Aliás, muitas delas deveriam ser puro silêncio. Eu estou começando, depois de quarenta anos de prancheta, a entender isso.

AM: Ziraldo o entrevistou e disse que "Abaixo à Ditadura!" é um livro que todo menino brasileiro tem que ter. Como conseguiu transportar um tema tão árido para o universo da criança?

CM: Abaixo à Ditadura! é simples. Eu só contei a verdade, só coloquei lá, como num documentário, coisas que haviam acontecido. Ficou engraçado? As crianças gostam de palhaçadas. E era assim, bem medíocre. O poder auto conferido é ridículo, seja na república ou num grupo de qualquer coisa. Se o povo tivesse consciência, senso crítico, leitura, leitura, leitura, aquela bobagem assassina não duraria nada.



AM: Algum lançamento em vista?

CM: Tenho dois lançamentos para 2013: Bota a Calça, Calça a Bota pela editora Cortez, e Fortuna pela Paulinas.



terça-feira, 26 de março de 2013

Olavo Bilac profetizou o início da era da imagem no Brasil

LITERATURA

O poeta e cronista Olavo Bilac (1865-1918), autor do Hino à Bandeira Nacional e de livros como “Alma inquieta” e “O caçador de esmeraldas”, previu, em 1901, o fim do texto e da leitura com o advento da imagem. Ele não se referia, naturalmente, à televisão, ainda longe de se tornar realidade, nem ao cinema, que se encontrava nos seus primórdios no Brasil, restrito à elite carioca.

Na crônica “Fotojornalismo”, Olavo Bilac prenunciou a “desgraça” dos escritores com a chegada da imagem e das gravuras nos jornais. 

“Vem perto o dia em que soará para os escritores a hora do irreparável desastre e da derradeira desgraça. Nós, os rabiscadores de artigos e notícias, já sentimos que nos falta o solo debaixo dos pés… Um exército rival vem solapando os alicerces em que até agora assentava a nossa supremacia: é o exército dos desenhistas, dos caricaturistas e dos ilustradores. O lápis destronará a pena: ceci tuera cela.”

Li o texto no Vagão-Biblioteca deste blog, assim que o recebi da professora Graça Sette. A virada do século já era motivo de apreensão para os escritores que refletiam a sociedade em transformação no início do século 20. Mais de duas décadas antes da publicação da crônica de Guilherme de Almeida, publicada em Pausa para o café expresso, a rapidez do mundo já era motivo de angústia:



“O público tem pressa. A vida de hoje, vertiginosa e febril, não admite leituras demoradas, nem reflexões profundas. A onda humana galopa, numa espumarada bravia, sem descanso. Quem não se apressar com ela será arrebatado, esmagado, exterminado. O século não tem tempo a perder. A eletricidade já suprimiu as distâncias: daqui a pouco quando um europeu espirrar, ouvirá incontinenti o “Deus te ajude” de um americano. E ainda a ciência humana há de achar o meio de simplificar e apressar a vida por forma tal que os homens já nascerão com dezoito anos, aptos e armados para todas as batalhas da existência.

Já ninguém mais lê artigos. Todos os jornais abrem espaço às ilustrações copiosas, que [***] pelos olhos da gente com uma insistência assombrosa. As legendas são curtas e incisivas: toda a explicação vem da gravura, que conta conflitos e mortes, casos alegres e casos tristes.

É provável que o jornal-modelo do século 20 seja um imenso animatógrafo, por cuja tela vasta passem reproduzidos, instantaneamente, todos os incidentes da vida cotidiana. Direis que as ilustrações, sem palavras que as expliquem, não poderão doutrinar as massas nem fazer uma propaganda eficaz desta ou daquela idéia política. Puro engano. Haverá ilustradores para a sátira, ilustradores para a piedade.
Quando o diretor do jornal quiser dizer que o povo morre de fome – confiará as suas idéias a um pintor de alma fúnebre, que mostrará na tela os cadáveres empilhados pelas ruas, sob uma revoada de corvos sinistros; quando quiser dizer que o político X é um cretino que não vê dois palmos adiante do nariz – apelará para o talento de um caricaturista, que, pintando a vítima com um respeitável par de imensas orelhas, claramente exprimirá o pensamento da folha. Demais, nada impede que seja anexado ao animatógrafo um gramofone de voz tonitruosa, encarregado de berrar ao céu e à terra o comentário, grave ou picante, das fotografias.

E convenhamos que, no dia em que nós, cronistas e noticiaristas, houvermos desaparecido da cena – nem por isso se subverterá a ordem social. As palavras são traidoras, e a fotografia é fiel. A pena nem sempre é ajudada pela inteligência; ao passo que a máquina fotográfica funciona sempre sob a égide da soberana Verdade, a coberto das inumeráveis ciladas da Mentira, do Equívoco, e da Miopia intelectual. Vereis que não hão de ser tão freqüentes as controvérsias…

Quando é assassinado um homem – este jornal vem dizer que lhe coseram o corpo a facadas, aquele que o asfixiaram, aquele outro que lhe estouraram o crânio a tiros de revólver. Ora, o público tem pressa: como há de perder tempo em procurar a verdade dentro deste acervo de contradições e de divergências?…
Há dias, foi preso um sujeito por espancar uma mulher. E os repórteres puseram em campo toda a sua fantasia, com tal gana que o pobre homem veio ontem a público elucidar o caso, conforme se vê nesta sua declaração, textualmente transcrita dos “a pedido” do Jornal do Comércio: “Os jornais deram desencontradas notícias acerca de um crime hediondo que uns vizinhos me imputaram. As versões são diferentes: o Jornal do Brasil anteontem afirmou que eu espanquei minha própria mãe; O País de ontem contou que eu bati em minha tia; O Dia relatou que eu ofendi a minha irmã…”
Concebe-se a maior atrapalhação? A verdade é que a mulher espancada não era mãe, nem tia, nem irmã, nem mesmo avó do desgraçado! E é assim que se escreve a História…

Imagine-se agora a série formidável de complicações que podem trazer esses exageros de fantasia, quando empregados em caso sério, de alta monta para a vida moral da nação.

Uma folha virá dizer amanhã que o sr. presidente da República foi a tal ou qual festa trajando um terno de casimira marrom; outra diria que Sua Excelência levava calças cor de cinza e de sobrecasaca preta; uma terceira afirmará que Sua Excelência vestia um dólmã branco… E a gente, diante de tantas opiniões diferentes, ficará com o juízo a arder, não podendo adquirir uma idéia assentada e perfeita sobre esse ponto, que tão grave influência pode exercer sobre a integridade da pátria e a solidez das instituições republicanas.

Outro caso interessante: o do amigo Galvez, que, depois de ter transposto a porta da eternidade, aparece agora espairecendo pela Puerta Del Sol em Madri. É ele? Não é dele? Quem sabe? Fotografem-no, e veremos…

Não insistamos sobre os benefícios da grande revolução que a fotogravura vem fazer no jornalismo. Frisemos apenas este ponto: o jornal-animatógrafo terá a utilidade de evitar que nossas opiniões fiquem, como atualmente ficam, fixadas e conservadas eternamente, para gáudio dos inimigos… Qual de vós, irmãos, não escreve todos os dias quatro ou cinco tolices que desejariam ver apagadas ou extintas? Mas, ai! de todos nós! Não há morte para as nossas tolices! Nas bibliotecas e nos escritórios dos jornais, elas ficam – as pérfidas! – catalogadas; e lá vem um dia em que um perverso qualquer, abrindo um daqueles abomináveis cartapácios, exuma as malditas e arroja-as à face apalermada de quem as escreveu… Daqui em diante, não haverá esse perigo: ninguém se arrependerá do que tiver escrito, pela razão única e simples de que nada mais se escreverá…

No jornalismo do Rio de Janeiro, já se iniciou a revolução, que vai ser a nossa morte e a opulência dos que sabem desenhar. Preparemo-nos para morrer, irmãos, sem lamentações ridículas, aceitando resignadamente a fatalidade das coisas, e consolando-nos uns aos outros com a cortesia de que, ao menos, não mais seremos obrigados a escrever barbaridades…

Saudemos a nova era da imprensa! A revolução tira-nos o pão da boca, mas deixa-nos aliviada a consciência.”



quinta-feira, 21 de março de 2013

Dantas Mota, o canário de Aiuruoca

LITERATURA


O Pescadas Expressas seguiu até Aiuruoca (MG) e, durante a viagem, fisgou, no vagão 3, o escritor, ensaísta, letrista musical e mestre em Literatura Brasileira, Caio Junqueira Maciel, para uma prosa poética sobre Dantas Mota (1913-1974), que completaria neste 22 de março o seu centenário de nascimento. Reverenciado pelos críticos e por escritores do quilate de Mário de Andrade e Carlos Drummond de Andrade, Dantas Mota, que nasceu na região, não teve a sua obra devidamente conhecida pelo público.

Adriano Macedo: Por que "carece" ler Dantas Mota, conforme sugeriu Mário de Andrade ao escritor, crítico de arte e de literatura Sérgio Millet?

Caio Junqueira Maciel: Carece ler Dantas Mota porque Mário, autor de O carro da miséria e Elegia de abril, sabia que igualmente profundo e enorme era o poeta mineiro, autor da Epístola de São Francisco e de Planície dos mortos. Mário foi amigo de Dantas e percebia que esse poeta não era apenas um epígono modernista, mas um lírico que cavava fundo, ia nas raízes longínquas das vozes elegíacas e também das vozes de protesto, amalgamando o telúrico, o mítico e o metafísico.

AM: Qual foi o principal legado que o poeta deixou para a literatura brasileira?

CJM: O legado que o poeta de Aiuruoca deixa para a literatura brasileira é, infelizmente, ainda captado por autores isolados. Mas quem se nutriu dessa poesia áspera e montanhosa, difícil e triste, bíblica e misteriosa, perturbadora e contundente, há de nela auscultar palpitações antigas, o choro da terra, o lamento das coisas (retomando o grande Augusto dos Anjos), o carinho tímido que roça e coça as mãos dos mineiros desconfiados. Em Dantas vemos muitos anjos, que não são exatamente os de Rainer Maria Rilke; vemos escombros e andrajos das terras devastadas, que não são exatamente as de T.SElliot; vemos o sentimento do mundo, aí, sim, com notações de Carlos Drummond, mas com algo mais, que torna seu estilo inconfundível e inquietante.

Há mais de 30 anos escrevi uma dissertação sobre Dantas Mota. Um dos examinadores, o professor Wilton Cardoso, em suas críticas, considerou que, na verdade, eram duas as minhas dissertações, pois trabalhei caudalosamente com a temática do tempo, da profecia e escritura na obra Elegias do país das gerais, que considero o melhor livro do poeta. Até hoje o livro não foi publicado, embora esteja disponível nas prateleiras da biblioteca da Faculdade de Letras da UFMG.

Quando escrevi a dissertação, o que me motivou não foi nenhuma pretensão acadêmica (da qual fujo como o diabo da cruz), mas a profunda admiração pelo poeta e o juramento que fiz diante de seu túmulo. Conheci o poeta Dantas desde menino, ele frequentava a farmácia de meu pai, em Cruzília (MG), onde comprava atenuantes pro seu fígado (era legendário o uísque que carregava no bolso do casaco). Ouvia seus casos, pois foi um imbatível advogado da região e, mais tarde, comecei a me inquietar com sua poesia. Fui ferido com suas palavras por ocasião da morte de meu avô, Cornélio Maciel, que era líder político do PSD, na região, enquanto o Dantas era ferrenho udenista. Apesar da diferença partidária, o poeta admirava meu avô e fez um reconhecimento público, num veemente discurso à beira do túmulo. Mais tarde, já fazendo o curso de Letras, fui até Aiuruoca, com meus irmãos Walter e Zé Maurício, e mais o poeta Adolfo Maurício Pereira, e lá passamos a tarde inteira em conversas e goles. Infelizmente, a gravação se perdeu, mas ainda tenho fotos (na imagem acima, da esquerda para a direita: Adolfo Maurício, Dantas Mota, Caio e Walter Junqueira Maciel). A minha memória abriga muita coisa boa que ele me falou, principalmente as dicas de leitura, como Quixote, Grande Sertão, Verlaine, Drummond...

No sepultamento de Dantas Mota, em Aiuruoca, no dia 10 de fevereiro de 1974, emocionado, ouvi o doutor Júlio Sanderson, fraterno amigo do poeta, discursar no fórum da cidade. Ele dizia que Aiuruoca havia perdido seu cantor.  Dantas tem um verso que diz:

“Ninguém sabe quando sou boi, ninguém sabe quando sou leão”.

Mas ele foi mesmo um canário, de canto elegíaco, nos transmitindo coisas assim:

“Cantando vou desta Aiuruoca seu vasto
cemitério, onde, afinal, com companhia,
vivo e sério,
me sinto enterrado só.”

Há poetas que sempre citam Dantas Mota. Entre eles, destaco Gerardo Mourão, sobretudo em Invenção do mar, assim também como Gilberto Nable, também aiuruocano, que escreveu belíssima elegia sobre seu conterrâneo.

AM: Você articula algumas iniciativas para remarcar o centenário de nascimento do poeta. Conta um pouco sobre elas. 

CJM: O Suplemento Literário do Minas Gerais prepara uma edição especial. Estou colhendo depoimentos e aguardo contribuições. Mas ainda acho pouco, pois esse grande aiuruocano deveria ser mais conhecido, ainda mais que o nome de Francisco está na moda, pois um dos imprescindíveis poemas de Dantas Mota é sua epístola de São Francisco – o rio – que diz coisas assim:

Este é um país que já nasce morto.
Porque, em verdade, sou morto.
Desde Paracatu do Príncipe, no País das Gerais,
até o Mar Atlântico, no País das Alagoas,
Sergipe, Bahia, Pernambuco, assim seja, amém!
Porque a paz que desfruto é a de uns olhos lagrimados,
e a boca que exibo sangrenta de terras e piranhas,
a de uns fruitos sem colheita e sem razão;
De vez que só os pássaros, os pássaros da alma e do tempo,
nela poisam. Sem madrugada, sem profecias e sem razão.

AM: Que tal uns HAI-KAIS expressos de sua autoria para homenagear Dantas Mota? 

CJM: O que a vida lavra
em chuva, tristeza e pedra,
moldou em palavra.

O que a vida ladra
canina fúria rapina,
consigna em quadra.

Pela vida afora
juntos o dantes e o hoje
moitas de metáfora.



segunda-feira, 18 de março de 2013

O que fica do que passa: Porta do Sol

LITERATURA


Revisito com o Blog Expresso, cinco anos depois, o município de João Pessoa, a Porta do Sol, a terceira capital de estado mais antiga do Brasil, fundada em 1585. A ideia não é voltar à Ponta do Seixas, o ponto mais oriental das Américas; passear nas piscinas naturais (última foto do post); rever o centro histórico (acima) e o belo conjunto de São Francisco; tomar um banho de mar em Tambaú, Manaíra e Cabo Branco; voltar ao mercado de artesanato ou rever o pôr do sol na Praia do Jacaré ao som do Bolero de Ravel, executado pelo saxofonista Jurandir (foto logo abaixo).


O que me leva de volta à Porta do Sol é o que acabo de receber das mãos virtuais do criador Cláudio Martins, uma versão ilustrada do conto Nossa Senhora das Águas, que se passa na capital da Paraíba. Na narrativa, os personagens vivem seus dramas particulares à beira da praia. O texto foi publicado no Suplemento Literário de Minas Gerais (editado pelo escritor Jaime Prado Gouvêa) e, posteriormente, na antologia Coletivo 21 (Autêntica Editora).



 Crédito das fotos: Prefeitura de João Pessoa/Divulgação 

sábado, 16 de março de 2013

Café sobre rodas

MARKETING/DESIGN



Seguia de um vagão para outro deste blog Expresso quando um rapaz me abordou no meio do caminho.

- Achei interessante sua crônica sobre modernidade, mas você falou de café sobre rodas?

- Veja, a crônica não era minha, mas do Guilherme de Almeida. Apenas criei um arco imaginário até os dias de hoje. O café sobre rodas é um charme só, né não? Sem falar no design dos projetos e, claro, no aroma do café. 

- Achei curioso. Onde posso ler a respeito?

Informei ao rapaz que não vi nenhum café sobre rodas no Brasil, mas li uma matéria na revista Exame, no ano passado, sobre o Velopresso (foto abaixo), que ganhou as ruas de Londres. Mas há ainda a alemã Coffee-Bike. Os conceitos são similares: mobilidade, proximidade do consumidor e a saúde (de quem pedala e a do planeta). Isso porque as pedaladas podem gerar energia, dispensando o uso de eletricidade. 

O Velopresso foi desenvolvido por Amos Field Reid e Lasse Oiva, dois designers egressos do Royal College of Art. A The Cofee-Bike (foto acima) foi fundada em 2010 na Alemanha e se tornou uma rede de franquia, em expansão na Europa. Criada por Jan Sander e Tobias Zimmer, estudantes também no final do curso universitário. Além do café, orgânico, é possível preparar bagels, paninis e similares, além de opções de produtos de pâtisserie

O curioso é que o Brasil, maior produtor de café, ainda não desenvolveu nada similar por aqui. Seria uma forma saborosa e inteligente de gerar valor agregado ao produto. Algum empreendedor se habilita? Fica a sugestão ainda para a criação de um espaço, mínimo que seja, para a literatura. Para emprestar ou vender bons livros. 





domingo, 10 de março de 2013

Pausa para o café expresso



"Dizem os modernistas que estamos numa época de sínteses; isto é, de rapidez. Não temos mais tempo a perder. Temos muito o que fazer. Para substituir as tardias diligências com cocheiros de cartolão e salteadores de máscara, capa e arcabus, inventaram-se os automóveis. Para substituir o moço-de-recados, com namoradas embaraçantes em todas as esquinas, inventou-se o telefone. Para substituir o teatro vagaroso, com decotes arfantes e peitilhos comovidos, inventou-se o cinema. Para substituir as enfadonhas, quotidianas crônicas jornalísticas, inventou-se..."

Numa primeira leitura de três linhas, parece que o trecho foi entreouvido nos dias de hoje, no escritório, no metrô, numa conversa de bar. O discurso da rapidez e do "não temos mais tempo a perder" permanecem atuais. O curioso, no entanto, é que o texto acima foi publicado em 23 de julho de 1927, no Diário Nacional, por Urbano, pseudônimo do escritor, jornalista, poeta, ensaísta, advogado e tradutor Guilherme de Almeida (1890-1969). Ele faz parte de "Contistas e Cronistas do Brasil", coleção publicada pela editora Martins Fontes para resgatar a obra de autores que se destacaram nestes gêneros literários. Encontrei o livro no Vagão-Biblioteca deste expresso. 

As crônicas escritas por Urbano, em 1917 e 1928, estão reunidas em "Pela Cidade", título organizado por Frederico Ozanam Pessoa de Barros (tradutor de clássicos da literatura mundial e que voltou a atenção para a vida e a obra de poetas românticos). Ler as crônicas de ontem com o olhar de hoje é sempre uma experiência saborosa. E acaba sendo a oportunidade de perceber a atualidade de algumas reflexões.  

E segue a crônica:

"... esse furor da velocidade, vai ganhado todas as atividades da precipitada humanidade. Mesmo as mais gostosas atividades. Por exemplo: o café. O cafezinho, durante o dia, era um rito, entre nós. Um rito complicado e descansado. Uma cousa preguiçosa e boa. A gente entrava num café, sentava-se a uma mesa, sobre duas cadeiras (uma para o indivíduo propriamente dito, outra para a capa de borracha, a pasta, o chapéu, o jornal e o embrulhinho de queijo da família)...

De repente , síntese. Tudo se precipitou, como nos filmes cômicos. E o bom Café vendeu em leilão mesas, cadeiras, estantes, balcões, tinteiros, canetas, papel-de-bloco, jornais travesseiros, chaises-longues − tudo. E sintetizou-se numa porta do centro, num corredor barato, com uma máquina fumegante parecida com um aquecedor de banho, homens de branco parecidos com enfermeiros, sob esta tabuleta rápida: Café Expresso... "


O telefone perdeu o fio e começou a bater perna, junto com o dono. O cinema não matou o teatro. O moço-de-recados parece ter voltado, em forma de e-mails e chats. A crônica sobrevive. E o café? Ainda bem que a história é cíclica e assistimos, nos últimos anos, ao renascimento dos cafés no Brasil. Sem falar, é claro, nos sobreviventes que não sucumbiram à modernidade, como a charmosa Confeitaria Colombo, no Rio de Janeiro (foto abaixo). Todos eles com mesas, cadeiras e espaços especiais para o encontro ou a leitura. Tem até café em livrarias, em lojas de roupa e sobre rodas. O café continua cada vez mais expresso, com grãos cada vez melhores. Sem contar as cafeteiras portáteis, com um mercado em expansão. Que os encontros - expressos ou nem tanto - sobrevivam. 

A imagem que abre este post é do Bar do Ponto (década de 1920), na esquina da Avenida Afonso Pena entre Rua da Bahia e Tupis, em Belo Horizonte (onde está situado hoje o Othon Palace). Capturada do blog BH Nostalgia. O estabelecimento funcionava no térreo do Palácio Hotel.  Recebeu o nome Bar do Ponto devido à localização. Ali ficava o abrigo de bondes (ponto inicial e final de quem se dirigia às regiões sul e leste da capital mineira). Fundado por Felipe Longo, em 1906, o lugar foi um marco referencial de Belo Horizonte nas primeiras décadas do século XX, ponto de encontro da boêmia da cidade. 





Vai começar a viagem do blog expresso


 

Este é um expresso que sai de Minas, estado onde existe "trem" para dizer tudo (ou quase tudo). Neste blog expresso você pode seguir diretamente no post mais recente ou parar em alguma estação para apreciar uma boa leitura, uma viagem, experimentar um café,  uma cachaça artesanal, um queijo, curtir uma foto ou apreciar uma obra de arte. 

Durante as viagens, você pode ainda pescar dicas (as mais diversas), entreouvir frases, curtir uma música, compartilhar sugestões e experiências, ver um filme...  Pescadas Expressas é um olhar jornalístico e literário sobre o mundo de ontem, de hoje e do amanhã.

Nas imagens anteriores, o conceito de um trem de alta velocidade, desenhado pelo studio Hassel para o Australian High Speed Vehicle (A-HSV)

Convenhamos que uma Maria Fumaça ainda tem o seu charme, apesar da Fumaça. Nenhum nome é perfeito. 





De toda forma, antes de começar a viagem, não deixe de acionar o apito de partida