Adriano Macedo | Pescadas Expressas

sexta-feira, 29 de março de 2013

Cláudio Martins, o mago da ilustração

LITERATURA


Quando voltava da viagem com Olavo Bilac até o ano de 1901, tive a grata surpresa de encontrar, no vagão 15, o escritor e designer Cláudio Martins, o mago da ilustração. Além de agradecê-lo pelas imagens criadas para o conto Nossa Senhora das Águas, aproveitei o encontro para uma prosa sobre a criação de imagens e de livros para crianças.

Adriano Macedo: Que coincidência te ver por aqui logo após compartilhar a profecia de Olavo Bilac, que anteviu o fim da caneta de pena e do texto há mais de 100 anos. Mas o texto não foi assassinado pelos desenhistas, caricaturistas e ilustradores. Com a autoridade de quem já ilustrou mais de 1.000 capas de livros, além de escrever e ilustrar mais de 40 obras de sua autoria, como você avalia o limite entre um (o texto) e outro (a imagem)?  Em outras palavras, onde vai melhor o texto e onde entra a ilustração?

Cláudio Martins: Uau! Não havia lido nada tão profético! 1901? O computador está ai, inteiro, no texto do Olavo Bilac. Isso impressiona. Exatamente em 1900 são publicadas as primeiras fotos na imprensa. Na sequência vieram as gravuras, os recursos gráficos e a narrativa visual, que entrou pra valer. Muita gente deve ter entrado em pânico.

Hoje o Brasil é respeitadíssimo lá fora pela sua literatura infantil. Somos premiadíssimos. Agora passamos a membros de júri das premiações mais importantes do mundo. Mas não sabemos muito bem duas coisas, ler (e compreender o que lemos) e editar livros. O nosso nível de leitura é baixíssimo, nem preciso falar disso, magoa, arrebenta com meu dia.


O nível de compreensão do que é lido dá vontade de ir embora, coisa que farei depois de terminar aqui. Editar livros é estabelecer um tripé: editora, autor, ilustrador. O livro, produto industrial, precisa dos três para se manter em pé. Com frequência fazemos isso bem, é certo. Mas o ilustrador não é considerado autor de nada. Normalmente ele é acessório, auxílio, apoio para o texto. Costumam pedir um esboço inicial  para a avaliação pelo autor e pela editora.

Vou contar uma história que o escritor Sergio Fantini gosta. Lá nos primórdios ilustrei um livro onde havia uma araponga, que nada fazia além de dar uns gritos na história. Na minha inocência burra sugeri para a autora trocar por uma arara, que berra tanto quanto e é um projeto sensacional de design. O livro ficaria mais bonito, pois a tal araponga é uma galinha cinza, medíocre.

Levei muita pancada, gente. A autora disse que não permitia interferência na sua criação, na sua invenção solitária, intelectual e o escambau. Vejo muitos livros onde o texto diz que o João pegou uma bola azul e correu para o jardim e a ilustração fala exatamente a mesma coisa. Redundância chata que faz perder a vontade de ler. Quando uma editora escolhe um ilustrador figurativo, mais realista, que tem uma narrativa clara, deveria, feitas as ilustrações, pedir ao autor que mudasse seu texto aqui e ali, que o ajustasse, falasse, por exemplo, do sonho, da alegria do João, da bola, da liberdade do jardim. Porque muitas vezes a qualidade narrativa da ilustração é muito, mas muito superior ao texto. Devíamos pedir aos autores um esboço e nele, aqui e ali, meter o bedelho sugerindo circunstâncias mais interessantes que aumentassem a eficiência do produto.

Morro de pena dos autores. Escrevem, escrevem, escrevem, precisam de botar tudo lá, todos os detalhes, sem dúvida, completo, repleto, porque disseram para eles que o "texto tem que parar em pé sozinho". Esqueceram de informar que a ilustração é parceria, sociedade, vaso comunicante e narradora da história também. Atenção senhores: Livro infantil e juvenil é LIVRO, não é literatura. É projeto industrial, design, programação visual, texto, ilustração, acabamento e distribuição.

Eu já acabei com muitos textos bons. Liquidei, matei, estraguei. Mas sei também que já vendi muitos livros pelas ilustrações, autores já enfiaram muita grana no bolso com compras governamentais e alguns não me deram um telefonema, um e-mail, um rabisco, um cisco. Sou pela divisão pela metade dos direitos autorais e do valor das ilustrações entre autor e ilustrador. Já fiz isso muitas vezes.

AM: O que é uma boa ilustração para você?

CM: Uma boa ilustração é aquela que cria um tempo, um silencio, uma reflexão. Na música o silencio é tão importante quanto o som. Aliás, muitas delas deveriam ser puro silêncio. Eu estou começando, depois de quarenta anos de prancheta, a entender isso.

AM: Ziraldo o entrevistou e disse que "Abaixo à Ditadura!" é um livro que todo menino brasileiro tem que ter. Como conseguiu transportar um tema tão árido para o universo da criança?

CM: Abaixo à Ditadura! é simples. Eu só contei a verdade, só coloquei lá, como num documentário, coisas que haviam acontecido. Ficou engraçado? As crianças gostam de palhaçadas. E era assim, bem medíocre. O poder auto conferido é ridículo, seja na república ou num grupo de qualquer coisa. Se o povo tivesse consciência, senso crítico, leitura, leitura, leitura, aquela bobagem assassina não duraria nada.



AM: Algum lançamento em vista?

CM: Tenho dois lançamentos para 2013: Bota a Calça, Calça a Bota pela editora Cortez, e Fortuna pela Paulinas.



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