Adriano Macedo | Pescadas Expressas

domingo, 21 de abril de 2013

O que fica do que passa: O Arroz de Palma

LITERATURA


O arroz foi uma receita literária compartilhada, em 2012, pelo amigo e escritor Ronaldo Simões Coelho. Certeza de leitura saborosa, garantiu-me Ronaldo. E o chefe de cozinha, o escritor Francisco Azevedo, acertara na escolha dos ingredientes, três deles essenciais para quem gosta de apreciar uma boa leitura: Antonio, um velho de 88 anos, cozinheiro de mão cheia; a Tia Palma (que teve um papel fundamental na educação dele, quando criança, naturalmente); e a memória de Antonio, tempero essencial para construir uma narrativa em flashback para contar a história da família e a própria trajetória de vida.

O romance Arroz de Palma (Editora Record), do escritor Francisco Azevedo, foi lançado em 2008, marcando a estreia do dramaturgo, poeta e roteirista cinematográfico como romancista. Aquele foi o ano de muitos lançamentos editoriais e este não teve a mesma visibilidade, naquele momento, como a de outros livros da mesma safra. Silenciosamente, no entanto, o arroz foi "pegando" e o primeiro romance de Francisco Azevedo vai ganhando a simpatia de novos leitores.

E qual o segredo deste arroz? Além do grão, personagem com data de validade centenária, uma narrativa sentimental e lírica, construída despretensiosamente a partir da imigração de uma família portuguesa para o Brasil e das memórias afetivas do filho primogênito, Antonio, que associa as lembranças de família à forma de preparar os próprios pratos.

"Família é prato difícil de preparar. São muitos ingredientes. Reunir todos é um problema... Pouco importa a qualidade da panela, fazer uma família exige coragem, devoção e paciência. Não é para qualquer um. Os truques, os segredos, o imprevisível. Às vezes, dá até vontade de desistir. Preferimos o desconforto do estômago vazio. Vêm a preguiça, a conhecida falta de imaginação sobre o que se vai comer e aquele fastio. Mas a vida − azeitona verde no palito − sempre arruma um jeito de nos entusiasmar e abrir o apetite. O tempo põe a mesa, determina o número de cadeiras e os lugares. Súbito, feito milagre, a família está servida. Fulana sai a mais inteligente de todas, Beltrano veio no ponto, é o mais brincalhão e comunicativo, unanimidade. Sicrano − quem diria? − solou, endureceu, murchou antes do tempo. Este, o mais gordo e generoso, farto, abundante. Aquele o que surpreendeu e foi morar longe. Ela, a mais apaixonada. A outra, a mais consistente..." 




Crédito da foto acima: Bárbara Monteiro Macedo

domingo, 14 de abril de 2013

Família Schürmann embarca em aventura transmídia

VIAGEM


A primeira família brasileira a dar a volta ao mundo em um veleiro há quase 30 anos está na contagem regressiva para a próxima aventura. A Família Schürmann inicia em novembro a Expedição Oriente para refazer parte da suposta rota dos chineses que, em 1421, teriam sido os primeiros navegantes a contornar o globo. O capitão Vilfredo Schurmann, a esposa Heloísa, os filhos Wilhelm, Pierre e David (líder da tripulação de terra), e o neto Emmanuel, farão a aventura ancorada no tripé inovação, tecnologia e sustentabilidade.

A filha caçula Kat (Katherine Schurmann, filha adotiva que faleceu em 2006, inspirou o livro Pequeno Segredo, da Editora Agir, lançado em 2012, e terá sua história transformada em filme) estará simbolicamente presente ao inspirar o nome do novo veleiro, que sai de Itajaí (SC) no dia 24 de novembro para uma temporada de dois anos em alto mar.

A aventura vem sendo considerada transmídia pela família. Isso porque terá transmissão diária pelo site do projeto, em cinco idiomas. Contará com uma plataforma digital interativa para se comunicar com usuários de todo o mundo; estará nas redes sociais (Facebook, YouTube e Instagram), contará com aplicativos para smartphones e permitirá a interação dos seguidores por meio da criação de embarcações virtuais customizadas por meio de técnicas de gamification. O veleiro também será dotado de um sistema elétrico digital que pode ser manipulado remotamente por dispositivos móveis como um iPad.

O Kat será equipado com sistema de geração de energia limpa, por meio de eólicos, painéis solares, dois hidrogeradores e duas bicicletas ergométricas para a produção de energia durante os exercícios físicos da tripulação. Terá ainda sistema de tratamento de esgoto e um equipamento para reaproveitar o lixo orgânico. Sem contar as quase 110 toneladas em aço utilizados no veleiro (do aço carbono ao inoxidável), fornecidos pela ArcelorMittal Brasil, Aperam e Belgo Bekaert, já que o insumo é 100% reciclável. O conjunto de empresas patrocinadoras do projeto é formado pelas empresas Estácio, HDI Seguros e Solví.


O Blog Expresso fisgou o capitão Vilfredo para uma rápida prosa no Vagão 11:

Adriano Macedo: Quase 600 anos separam a nova expedição da família Schürmann da suposta viagem dos chineses até os confins da terra. De que forma as tecnologias, que evoluíram significativamente, podem ajudar o homem contemporâneo habituado a navegar em mar aberto no exercício da liderança?

Vilfredo Schürmann: A tecnologia irá dar mais segurança se comparamos com 600 anos atrás. Temos informações precisas e em tempo real de previsão meteorológica e assim podemos preparar a redução das velas. Temos cartas náuticas, digitalização com áudio que informa os perigos que teremos na frente, como pedras, corais etc., pingado ao GPS. Temos um equipamento similar ao transpondes dos aviões que indicam o navio que iremos cruzar, sua rota, seu nome e o que ele está transportando. Temos o radar que quando abate a neblina podemos navegar sem nada enxergar na proa. Temos o telefone por satélite que poderemos nos comunicar em caso de emergência. Enfim, a tecnologia está aí pra nos ajudar. No entanto, não podemos esquecer que o mar não mudou nesses 600 anos. Posso dizer que até alterou com tempestades fora de época, como foi o ciclone Catarina, cinco anos atrás. Temos que estar conectados com informações de erupções vulcânicas que podem provocar os Tsukada. Ao olhar o barômetro, quando cai, sabemos que a tempestade virá.

AM: Qual o principal legado uma aventura Transmídia pode deixar para a sociedade de hoje?

VS: Acessibilidade e participação em tempo real. Além de o projeto se tornar algo interativo com feedback imediato. As pessoas poderão mandar dicas, ou curiosidades que poderemos atestar in loco em tempo real. Além disso, também poderão seguir a expedição nas multiplataformas. O legado é de que a aventura acontece em conjunto, aumentando o engajamento e, com isso, levaremos milhares de tripulantes virtuais conosco, que viverão as experiências de certa forma conosco.

AM: Quais os "livros de Proa" pretende levar para a viagem?

VS: Nós temos uma biblioteca grande e alguns livros que ainda não lemos serão levados a bordo. Iremos mesclar livros impressos com tabletes; bons livros de aventura, suspense, policial e também livros de espiritualidade com a engenharia quântica. Quando estamos na roda de leme na madrugada é bom escutar os áudios de livros. É uma delicia e o tempo passa rápido.

Para conhecer a emocionante história de Kat Schürmann, acesse o Diário de Bordo. Para mais informações sobre a aventura, clique em Expedição Oriente.


Crédito das fotos: Família Schürmann. No topo: imagem do veleiro Kat. Ao centro, o capital Vilfredo. Acima, a marinheira Katherine. 

terça-feira, 9 de abril de 2013

O que fica do que passa: Uva de caminhão

MÚSICA


Organizando caixas e revirando papeis expressos, encontro uma cópia da revista literária Edifício, lançada em 1946 pelo professor, pesquisador e ensaísta Francisco Iglésias (1923-1999) com alguns companheiros de sua geração. Ele foi redator da publicação, que teve vida curta, quatro edições se não me engano. Entre os textos publicados o clássico E agora, José?, de Carlos Drummond de Andrade.

Estive na casa do professor Iglésias há quinze anos e o que me vem à memória não é a entrevista que fiz com ele sobre a revista, mas um comentário sobre a música Uva de Caminhão, de Assis Valente (1911-1958), contemporâneo de Cartola, Ary Barroso e Noel Rosa. Composta em 1939, foi considerada por Iglésias uma das músicas mais "indecentes" da Música Popular  Brasileira. E sobreviveu às ditaduras e censuras. Era uma época em que geniais compositores escreviam letras com refinada inteligência e ironia.

E esta música me vem à mente neste momento, quando relembro o professor Iglésias cantando a música ao pé do ouvido, batucando uma caixinha de fósforo. Como a vida é marcada por coincidências ou sincronias, como diria a escritora Ana Maria Machado, constato que o professor completaria, no dia 28 de abril, 90 anos de nascimento. E que ele morreu em fevereiro de 1999, mesmo ano em que foi lançado o CD Assis Valente com Dendê - Sons da Bahia. E lá está a música Uva de Caminhão. No youtube, a música está disponível com outra intérprete.

Uva de Caminhão

Já me disseram que você andou pintando o sete
Andou chupando muita uva e até de caminhão
Agora anda dizendo que está de apendicite
Vai entrar no canivete, vai fazer operação

Oi, que tem a Florisbela nas cadeiras dela
Andou dizendo que ganhou a "flauta de bambu"
Abandonou a batucada lá na Praça Onze
E foi dançar o "pirulito" lá no Grajaú

"Caiu o pano da cuíca", em boas condições
Apareceu Branca de Neve com os Sete Anões
E na pensão da dona Estela foram farrear
"Quebra, quebra gabiroba" quero ver quebrar

Você no "Baile dos quarenta" deu o que falar
Cantando o "seu Caramuru" bota o Pajé pra brincar
Tira, não tira o Pajé, deixa o Pajé farrear
"Eu não te dou a chupeta", não adianta chorar

Se quiser conhecer um pouco mais sobre Assis Valente, acesse o link abaixo para assistir a um programa especial da TV Brasil, exibido no ano do centenário do seu nascimento.

De Lá Pra Cá

Sobre Francisco Iglésias, vamos ver se o mercado editorial reserva alguma surpresa para a efeméride ou se a data passará em branco.

Foto Assis Valente: Wikipédia




quinta-feira, 4 de abril de 2013

Você não precisa de um editor

LITERATURA

A era digital está provocando determinados fenômenos que ajudam a temperar as discussões e reflexões sobre o mercado editorial e os hábitos de escrita e leitura. É o caso, por exemplo, da mudança de paradigmas a respeito do sucesso literário e de como os escritores estão buscando formas alternativas e, em certos casos, bem-sucedidas para publicar os próprios livros, conseguir leitores e construir uma carreira expressa. Este novo caminho está sendo trilhado por autores que decidiram entrar de cabeça no mundo digital, num momento em que o mercado editorial passa por profundas transformações em toda a cadeira do livro.

No dia 23 de fevereiro de 2013, o caderno Ilustrada, da Folha de S.Paulo, publicou a história da escritora paulistana Lilian Carmine sob o título "Escrevi em inglês para ser lida", da jornalista Raquel Cozer. Depois de ter livros infantis recusados pelas casas editoriais brasileiras, ela decidiu publicar, na língua inglesa, uma obra juvenil, em capítulos, numa rede social canadense. Conseguiu fãs e, o mais importante, ser percebida pela editora inglesa Gillian Green, da Random House, simplesmente a maior do setor no mundo.

Oito dias depois, na edição do dia 13 de março de 2013, sob a manchete "Era digital muda conceito de sucesso literário", o jornal Valor Econômico traduziu matéria de Alexandra Alter, do The Wall Street Journal Americas (versão em inglês disponível para leitura; a matéria do Valor está disponível apenas para assinantes, mas é possível fazer um cadastro gratuito para leitura), sobre o livro de suspense "Wool", de Hugh Howey, que já vendeu mais de 500 mil exemplares na Amazon. Considerado um caso editorial raro, ele autopublicou o livro neste site, em formato e-book. Resultado: já recebeu mais de US$ 1 milhão em royalties, vendeu os direitos para o cinema para Ridley Scott, e assinou contrato com a Simon & Schuster para a versão impressa da publicação. Detalhe: manteve os direitos para o livro eletrônico porque está certo de que ganhará mais dinheiro desta forma do que por meio da editora.

Os dois casos têm provocado um debate no setor editorial, principalmente porque as editoras já não conseguem publicar todos os originais recebidos e os escritores começam a encontrar formas alternativas e de renda relativamente estável por meio da autopublicação.

O mercado editorial anda a galope e não tem sido fácil para os personagens deste enredo lerem com a necessária clareza e velocidade todas as transformações que estão ocorrendo. O título desta postagem foi emprestado do PublishNews, newsletter voltada para este setor, onde Iona Teixeira Stevens põe um tempero adicional na discussão sobre o papel do editor neste novo cenário.


Foto acima: Rochpublibrary 

Foto abaixo: Techtalk