Adriano Macedo | Pescadas Expressas

quinta-feira, 21 de março de 2013

Dantas Mota, o canário de Aiuruoca

LITERATURA


O Pescadas Expressas seguiu até Aiuruoca (MG) e, durante a viagem, fisgou, no vagão 3, o escritor, ensaísta, letrista musical e mestre em Literatura Brasileira, Caio Junqueira Maciel, para uma prosa poética sobre Dantas Mota (1913-1974), que completaria neste 22 de março o seu centenário de nascimento. Reverenciado pelos críticos e por escritores do quilate de Mário de Andrade e Carlos Drummond de Andrade, Dantas Mota, que nasceu na região, não teve a sua obra devidamente conhecida pelo público.

Adriano Macedo: Por que "carece" ler Dantas Mota, conforme sugeriu Mário de Andrade ao escritor, crítico de arte e de literatura Sérgio Millet?

Caio Junqueira Maciel: Carece ler Dantas Mota porque Mário, autor de O carro da miséria e Elegia de abril, sabia que igualmente profundo e enorme era o poeta mineiro, autor da Epístola de São Francisco e de Planície dos mortos. Mário foi amigo de Dantas e percebia que esse poeta não era apenas um epígono modernista, mas um lírico que cavava fundo, ia nas raízes longínquas das vozes elegíacas e também das vozes de protesto, amalgamando o telúrico, o mítico e o metafísico.

AM: Qual foi o principal legado que o poeta deixou para a literatura brasileira?

CJM: O legado que o poeta de Aiuruoca deixa para a literatura brasileira é, infelizmente, ainda captado por autores isolados. Mas quem se nutriu dessa poesia áspera e montanhosa, difícil e triste, bíblica e misteriosa, perturbadora e contundente, há de nela auscultar palpitações antigas, o choro da terra, o lamento das coisas (retomando o grande Augusto dos Anjos), o carinho tímido que roça e coça as mãos dos mineiros desconfiados. Em Dantas vemos muitos anjos, que não são exatamente os de Rainer Maria Rilke; vemos escombros e andrajos das terras devastadas, que não são exatamente as de T.SElliot; vemos o sentimento do mundo, aí, sim, com notações de Carlos Drummond, mas com algo mais, que torna seu estilo inconfundível e inquietante.

Há mais de 30 anos escrevi uma dissertação sobre Dantas Mota. Um dos examinadores, o professor Wilton Cardoso, em suas críticas, considerou que, na verdade, eram duas as minhas dissertações, pois trabalhei caudalosamente com a temática do tempo, da profecia e escritura na obra Elegias do país das gerais, que considero o melhor livro do poeta. Até hoje o livro não foi publicado, embora esteja disponível nas prateleiras da biblioteca da Faculdade de Letras da UFMG.

Quando escrevi a dissertação, o que me motivou não foi nenhuma pretensão acadêmica (da qual fujo como o diabo da cruz), mas a profunda admiração pelo poeta e o juramento que fiz diante de seu túmulo. Conheci o poeta Dantas desde menino, ele frequentava a farmácia de meu pai, em Cruzília (MG), onde comprava atenuantes pro seu fígado (era legendário o uísque que carregava no bolso do casaco). Ouvia seus casos, pois foi um imbatível advogado da região e, mais tarde, comecei a me inquietar com sua poesia. Fui ferido com suas palavras por ocasião da morte de meu avô, Cornélio Maciel, que era líder político do PSD, na região, enquanto o Dantas era ferrenho udenista. Apesar da diferença partidária, o poeta admirava meu avô e fez um reconhecimento público, num veemente discurso à beira do túmulo. Mais tarde, já fazendo o curso de Letras, fui até Aiuruoca, com meus irmãos Walter e Zé Maurício, e mais o poeta Adolfo Maurício Pereira, e lá passamos a tarde inteira em conversas e goles. Infelizmente, a gravação se perdeu, mas ainda tenho fotos (na imagem acima, da esquerda para a direita: Adolfo Maurício, Dantas Mota, Caio e Walter Junqueira Maciel). A minha memória abriga muita coisa boa que ele me falou, principalmente as dicas de leitura, como Quixote, Grande Sertão, Verlaine, Drummond...

No sepultamento de Dantas Mota, em Aiuruoca, no dia 10 de fevereiro de 1974, emocionado, ouvi o doutor Júlio Sanderson, fraterno amigo do poeta, discursar no fórum da cidade. Ele dizia que Aiuruoca havia perdido seu cantor.  Dantas tem um verso que diz:

“Ninguém sabe quando sou boi, ninguém sabe quando sou leão”.

Mas ele foi mesmo um canário, de canto elegíaco, nos transmitindo coisas assim:

“Cantando vou desta Aiuruoca seu vasto
cemitério, onde, afinal, com companhia,
vivo e sério,
me sinto enterrado só.”

Há poetas que sempre citam Dantas Mota. Entre eles, destaco Gerardo Mourão, sobretudo em Invenção do mar, assim também como Gilberto Nable, também aiuruocano, que escreveu belíssima elegia sobre seu conterrâneo.

AM: Você articula algumas iniciativas para remarcar o centenário de nascimento do poeta. Conta um pouco sobre elas. 

CJM: O Suplemento Literário do Minas Gerais prepara uma edição especial. Estou colhendo depoimentos e aguardo contribuições. Mas ainda acho pouco, pois esse grande aiuruocano deveria ser mais conhecido, ainda mais que o nome de Francisco está na moda, pois um dos imprescindíveis poemas de Dantas Mota é sua epístola de São Francisco – o rio – que diz coisas assim:

Este é um país que já nasce morto.
Porque, em verdade, sou morto.
Desde Paracatu do Príncipe, no País das Gerais,
até o Mar Atlântico, no País das Alagoas,
Sergipe, Bahia, Pernambuco, assim seja, amém!
Porque a paz que desfruto é a de uns olhos lagrimados,
e a boca que exibo sangrenta de terras e piranhas,
a de uns fruitos sem colheita e sem razão;
De vez que só os pássaros, os pássaros da alma e do tempo,
nela poisam. Sem madrugada, sem profecias e sem razão.

AM: Que tal uns HAI-KAIS expressos de sua autoria para homenagear Dantas Mota? 

CJM: O que a vida lavra
em chuva, tristeza e pedra,
moldou em palavra.

O que a vida ladra
canina fúria rapina,
consigna em quadra.

Pela vida afora
juntos o dantes e o hoje
moitas de metáfora.



4 comentários:

  1. agradeço ao adriano a oportunidade de falar umm pouco do dantas mota, e o blog está excelente!

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  2. Adriano, primeiro, o blog é puro charme e muito acolhedor. Tem jeito e o calor de uma sala de visitas de uma casa de campo.
    Agora, a entrevista e seu objeto. Eu não conheço a obra de Dantas Mota. Do que senti, no depoimento de Caio Junqueira, ele era detentor de uma linguagem hermética, já na definição do entrevistado: 'poesia áspera e montanhosa, difícil e triste, bíblica e misteriosa, perturbadora e contundente'.
    Penso ser essa uma das razões para ele ser desconhecido. Sua obra, me parece, é uma iguaria para os seus congêneres; não está ao alcance intelectual do leitor comum. Mesmo a entrevista, com tantas referências de erudição, a mim, resulta árdua a compreensão.

    Um abraço a você e ao entrevistado.
    Maria Balé - São Paulo, capital

    25 de março de 2013 18:04

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  3. Seu blog é muito legal, Adriano. Parabéns.
    Quanto ao Dantas Mota, ele era o canário de Aiuruoca, e também o sabiá do Brasil.

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  4. Brilhante entrevista!
    Caio Junqueira é sempre inigualável,
    assim como o foi o mestre Dantas Mota.
    Parabéns!

    Júlio César Meireles de Andrade

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