Adriano Macedo | Pescadas Expressas

domingo, 30 de junho de 2013

O que fica do que passa: O taxista escritor Vário do Andaraí



O taxista Vário do Andaraí se depara, nas noites cariocas, com personagens curiosos e plurais. Figura anônima das ruas e vielas encardidas do Andaraí, como se autodefine, morador no limite da Tijuca, circula pela cidade a bordo da viatura 055, à escuta dos chamados do rádio da cooperativa e das histórias dos passageiros de curta duração. 

Em 2010, enveredou pela literatura e teve o primeiro livro publicado, A máquina de revelar destinos não cumpridos (Editora Dimensão), reconhecido pelo Prêmio Jabuti, ganhando o segundo lugar na categoria Contos e Crônicas. Neste diário de bordo ficcional, o leitor se depara com personagens saídos do imaginário real e fantástico das ruas do Rio de Janeiro, a bela e a fera (um chimpanzé de nome Kant), um cego desconfiado, uma família humilde no meio da madrugada, um mágico, uma passageira careca, Constantino e Flash (inventores da máquina de revelar destinos não cumpridos, narrativa que dá nome ao livro), a Branca-de-Neve acompanhada do Homem-Aranha e do casal Batman e Robin, entre inúmeros outros. 

Numa breve passagem pela cidade, o Pescadas Expressas teve a oportunidade de conhecer este autor, boxeador nas horas vagas, e personagem que certamente vai tarifar muitas histórias conduzidas pelas ruas da cidade.  

Você costuma dizer que brinca de taxista na noite carioca. Quando percebeu que seria possível criar e transportar personagens da cidade do Rio de Janeiro para o mundo da ficção?

Tornei-me taxista faz uns sete, oito anos. A espoleta que disparou a decisão de escrever crônicas com viés de conto, e cujo narrador seria uma espécie de alter ego, foi a percepção de que a função de taxista tinha muito a ver com minha personalidade e com minha história pessoal. Me dei conta de que dava pra falar da vida à minha maneira vária, ora catártica, ora lírica, ora com recursos de roteiro, ora contraditória, mas sempre com o humor de permeio. Aquele livro sou eu com volutas rococó.



O oficio do taxista me parece uma narrativa breve sobre rodas, um recorte no tempo e no espaço durante um percurso definido pelos personagens a bordo. O livro A Máquina de Revelar Destinos Não Cumpridos acaba sendo o retrato um pouco desta premissa. Qual personagem mais te marcou em toda a sua história como condutor de táxi? 

De antemão, esclareço que o que lá no livro vai escrito não é a reprodução da acontecimentos nos assentos da viatura. As crônicas misturam passagens ocorridas de fato com reflexões pessoais e ficção. Nenhuma história me marcou tanto como um acontecimento verídico e que não está no livro: um homem velho, militar aposentado (portanto com uma pensão razoável), com Alzheimer ou qualquer outra disfunção neurológica, com uma soma razoável de dinheiro no bolso, sem endereço ou telefone de sua casa ou de parentes entre seus pertences, entrou no táxi desorientado.

Pedi-lhe seus documentos, e, entre umas anotações num pedaço roto, alguns celulares anotados. Por sorte, ao ligar pra um deles, depois de um tempo de conversa com o desconhecido do outro lado da linha, consigo descobrir de quem se tratava o homem extraviado e onde morava. Ao chegar a sua casa, notei que a mulher jovem, bem mais jovem que ele, portou-se friamente com o "achamento" do desaparecido. Me deu um estalo intuitivo. Posso estar enganado, mas desconfio até hoje de que a mulher deixou a porta de casa destrancada para que o homem ganhasse mundo e sumisse, e assim, ela se visse livre de um problema e com a pensão do militar.

Quando nos encontramos recentemente no Rio, você comentou sobre as supostas preferências das editoras sobre os cânones literários e autores midiáticos. Como vem construindo sua trajetória literária diante deste cenário?

Deixe-me refazer a introdução da sua pergunta: penso que o ambiente literário brasileiro é habitado sobretudo por autores ligados ao jornalismo ou ao meio acadêmico, e que, a partir dessas duas grandes categorias, as afinidades pessoais e grupos se estabelecem. Desconfio de que, a um franco-atirador como eu, taxista e avulso, o espaço disponível é aquele que convencionalmente se reserva ao pitoresco, ou ao adventício, ou à condescendência.

Evidentemente,  quando falo literário, estou me referindo àquele tipo de escrita que tem pretensões a ser o que se encaixa no que a teoria da literatura define como “boa” literatura. Claro que há o espaço que aparece, ou se faz aparecer, por aquele tipo de autor que, não sendo jornalista ou do meio acadêmico,  com o aríete das boas vendas, arromba a porta do salão onde está rolando o coquetel.
Tenho dois livros de qualidade razoável publicados, vou vivendo minha vida, me esforçando para, cada vez menos, me preocupar em “carreira” ou trajetória literária. Qualquer dia, quem sabe?, eu acerto no milhar e na centena (risada cínica)  e vou pra Maracangalha com a Maricotinha do Dorival Caymmi.

Quais as suas próximas investidas literárias?

Estou fazendo anotações para dois originais, sem data para início ou fim de suas escrituras; estou também tentando fazer uma parceria com um pessoal de um grupo teatral de BH. Regularmente faço postagens autorais curtas no meu blog − afazer de que gosto imensamente, e escrevo esporadicamente em projetos para que sou chamado a colaborar, como encarte de cd, letra de música, legendas para fotografias em exposições públicas ou em livros.  Mas tudo isso feito a amador, em sua dupla acepção – como o que ama e como o que não tira sua subsistência da atividade. 

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