"Dizem os modernistas que
estamos numa época de sínteses; isto é, de rapidez. Não temos mais tempo a
perder. Temos muito o que fazer. Para substituir as tardias diligências com
cocheiros de cartolão e salteadores de máscara, capa e arcabus, inventaram-se os
automóveis. Para substituir o moço-de-recados, com namoradas embaraçantes em
todas as esquinas, inventou-se o telefone. Para substituir o teatro vagaroso,
com decotes arfantes e peitilhos comovidos, inventou-se o cinema. Para
substituir as enfadonhas, quotidianas crônicas jornalísticas, inventou-se..."
Numa primeira leitura de três
linhas, parece que o trecho foi entreouvido nos dias de hoje, no escritório, no
metrô, numa conversa de bar. O discurso da rapidez e do "não temos mais
tempo a perder" permanecem atuais. O curioso, no entanto, é que o texto
acima foi publicado em 23 de julho de 1927, no Diário Nacional, por Urbano,
pseudônimo do escritor, jornalista, poeta, ensaísta, advogado e tradutor
Guilherme de Almeida (1890-1969). Ele faz parte de "Contistas e Cronistas
do Brasil", coleção publicada pela editora Martins Fontes para resgatar a
obra de autores que se destacaram nestes gêneros literários. Encontrei o livro no Vagão-Biblioteca deste expresso.
As crônicas escritas por Urbano,
em 1917 e 1928, estão reunidas em "Pela Cidade", título organizado
por Frederico Ozanam Pessoa de Barros (tradutor de clássicos da literatura
mundial e que voltou a atenção para a vida e a obra de poetas românticos). Ler
as crônicas de ontem com o olhar de hoje é sempre uma experiência saborosa. E
acaba sendo a oportunidade de perceber a atualidade de algumas reflexões.
E segue a crônica:
"... esse furor da velocidade,
vai ganhado todas as atividades da precipitada humanidade. Mesmo as mais
gostosas atividades. Por exemplo: o café. O cafezinho, durante o dia, era um
rito, entre nós. Um rito complicado e descansado. Uma cousa preguiçosa e boa. A
gente entrava num café, sentava-se a uma mesa, sobre duas cadeiras (uma para o
indivíduo propriamente dito, outra para a capa de borracha, a pasta, o chapéu,
o jornal e o embrulhinho de queijo da família)...
De repente , síntese. Tudo se
precipitou, como nos filmes cômicos. E o bom Café vendeu em leilão mesas,
cadeiras, estantes, balcões, tinteiros, canetas, papel-de-bloco, jornais
travesseiros, chaises-longues −
tudo. E sintetizou-se numa porta do centro, num corredor barato, com uma
máquina fumegante parecida com um aquecedor de banho, homens de branco
parecidos com enfermeiros, sob esta tabuleta rápida: Café Expresso... "
O telefone perdeu o fio e começou
a bater perna, junto com o dono. O cinema não matou o teatro. O moço-de-recados
parece ter voltado, em forma de e-mails e chats. A crônica sobrevive. E o café?
Ainda bem que a história é cíclica e assistimos, nos últimos anos, ao
renascimento dos cafés no Brasil. Sem falar, é claro, nos sobreviventes que
não sucumbiram à modernidade, como a charmosa Confeitaria Colombo, no Rio de
Janeiro (foto abaixo). Todos eles com mesas, cadeiras e espaços especiais para o encontro ou
a leitura. Tem até café em livrarias, em lojas de roupa e sobre rodas. O café
continua cada vez mais expresso, com grãos cada vez melhores. Sem contar as cafeteiras portáteis, com um mercado em expansão. Que os encontros - expressos ou nem tanto - sobrevivam.
A imagem que abre este post é do Bar do Ponto (década de 1920), na esquina da Avenida Afonso Pena entre Rua da Bahia e Tupis, em Belo Horizonte (onde está situado hoje o Othon Palace). Capturada do blog BH Nostalgia. O estabelecimento funcionava no térreo do Palácio Hotel. Recebeu o nome Bar do Ponto devido à localização. Ali ficava o abrigo de bondes (ponto inicial e final de quem se dirigia às regiões sul e leste da capital mineira). Fundado por Felipe Longo, em 1906, o lugar foi um marco referencial de Belo Horizonte nas primeiras décadas do século XX, ponto de encontro da boêmia da cidade.
beleza. vamos aproveitar esses espaços. abraço. ksf
ResponderExcluirAdriano,
ResponderExcluirAdorei o blog! É um misto de saudosismo com literatura, de história com o presente... é também mais um indício positivo dessa precipitada humanidade, que tem na tecnologia, aliada à comunicação, uma ferramenta para refletir e escrever sobre tudo...
Parabéns e sucesso!
Abraços,
Poliana Napoleão
Oi Adriano,
ResponderExcluirQue bacana este blog, adorei! E que saudades, nossa!
Abraços